Você sabe o que são os neuromitos?
Fernanda Salla (novaescola@atleitor.
Nada melhor para um professor do que terminar
uma aula com a sensação de dever cumprido: novos conhecimentos
desenvolvidos, olhares atentos, discussões produtivas, crianças
envolvidas e cada vez mais sabidas. Porém, quem nunca se sentiu
frustrado diante de um aluno que apresenta grandes dificuldades, apesar
dos seus esforços em ensiná-lo? Ou ao se deparar com garotos e garotas
que não se concentram nas aulas? Nesse cenário, as descobertas da
Neurociência sobre como o cérebro funciona servem de base para uma série
de tentativas de explicar ou reverter casos de fracasso dos alunos - e
do professor em ajudá-los.
Algumas ideias oriundas de dados neurocientíficos, porém, não passam de especulações, que acabam sendo derrubadas posteriormente. São os chamados neuromitos. Conheça cinco deles, saiba como surgiram e por que não se mostraram consistentes:
Mito 1 Há períodos críticos para cada aprendizagem. Se a pessoa não aprender durante esse período, ela não desenvolverá mais esse conhecimento
Embasamento: O conceito de períodos críticos provém de experimentos comportamentais feitos com animais. Um deles foi realizado nos anos 1960 por Torsten Wiesel e David Hubel, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Eles cobriram um dos olhos de um gato e tiraram a venda apenas três meses depois, para investigar que efeito isso teria no cérebro do animal. A área neuronal responsável pela visão foi severamente danificada e o gato ficou cego do olho que havia sido tampado. A partir de constatações como essa se concebeu a ideia de que existiriam janelas de aprendizado, ou seja, passado o período crítico para desenvolver certo conhecimento, não seria possível mais recuperá-lo.
Como foi derrubado: Pesquisas posteriores já reconhecem que essas janelas não são tão fortemente delineadas e são influenciadas por outros fatores, como o tipo de estímulo. O termo usado passou a ser “período sensível” ao estágio de desenvolvimento. Além disso, embora possam existir fases sensíveis para determinados aprendizados, a capacidade de formar sinapses, ou seja, de o cérebro fazer novas ligações entre os neurônios, se mantém durante toda a vida do sujeito. É o conceito conhecido como plasticidade cerebral. Isso indicaria que as pessoas podem aprender em qualquer momento da vida. “O aprendizado de uma segunda língua, por exemplo, é feito com perfeição nos primeiros anos de vida, enquanto uma aprendizagem posterior geralmente não pode evitar a presença de um sotaque evidente. Contudo, mesmo isso pode, em certos casos, ser corrigido, mas acarreta um grande esforço adicional”, dizem os médicos e doutores em Ciência do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ramon M. Cosenza e Leonor B. Guerra no livro Neurociência e Educação: Como o Cérebro Aprende (151 págs., Ed. Artmed, tel.: 0800 703 3444, 44 reais).
Mito 2 É preciso estimular a criança ao máximo até os 3 anos de idade, que é quando o cérebro humano está no auge da quantidade de conexões sinápticas e de neurônios
Embasamento: De fato, diversas investigações científicas comprovam que, nos primeiros dez meses de vida, o bebê tem um aumento imenso da quantidade de proliferação sináptica, que supera a de um adulto. Depois, aquelas estruturas neurais que não são usadas ou são pouco eficientes vão sendo eliminadas. Com isso passou-se a acreditar que era necessário aproveitar esse período da vida da criança para inundá-la de informação e estimulá-la ao máximo, assim ela iria atingir um grau maior de desenvolvimento cognitivo.
Como foi derrubado: Não há nenhuma comprovação científica que ateste a eficácia de submeter uma criança pequena a uma quantidade muito elevada de estímulos e a informações complexas demais para a faixa-etária dela. Além disso, a queda da quantidade de sinapses já é vista pelos neurocientistas como uma forma natural de eliminar gastos desnecessários de energia do corpo e de lapidar as funções cerebrais. No artigo Pedagogy meets neuroscience (Pedagogia encontra neurociência, em português), publicado na revista Science em 2005, a psicóloga Elsbeth Stern afirma que as crianças que são incentivadas a memorizar fatos isolados no início da vida não apresentam melhor retenção a longo prazo do que seus pares, que não foram submetidos a uma bateria de estímulos do tipo.
Mito 3 Usamos somente 10% da capacidade de nosso cérebro
Embasamento: Não se sabe exatamente quando e porque esse mito surgiu. Uma das hipóteses é que tenha sido uma má-interpretação de parte do texto The Energies of Men (As energias do homem, em português), de William James (1842-1910) - considerado um dos fundadores da psicologia nos Estados Unidos -, em que ele dizia que a maioria das pessoas põe em prática apenas uma pequena parte de seu potencial intelectual.
Como foi derrubado: Diversas técnicas empregadas pela neurociência de medição da atividade cerebral (tomografia, ressonância magnética etc) mostram que não existem áreas inativas no cérebro. O neurologista Barry L. Beyerstein afirma no artigo Do we really use only 10% of our brains? (Nós usamos realmente só 10% de nosso cérebro?, em português), na revista Scientific American, em 2004, que ninguém jamais encontrou uma porção do cérebro que nunca tivesse sido usada.
Mito 4 Pessoas que utilizam o lado esquerdo do cérebro têm facilidade para comunicação oral e são mais lógicos. Já aquelas que usam o lado direito são mais criativas e artísticas
Embasamento: Dentre as diversas investigações envolvendo esse conceito, uma pesquisa conduzida pelo neurocientista Roger Sperry, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, o psicólogo Michael S. Gazzaniga, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, desde a década de 1960, que analisou pacientes submetidos a cirurgia para separar os dois hemisférios cerebrais na tentativa de interromper um tipo de epilepsia, mostrou que realmente os dois lados do cérebro são bastante diferentes. Em grande parte das pessoas, o esquerdo cuida dos aspectos da linguagem, enquanto o direito especializa-se em uma parte significativa das habilidades visuais e espaciais.
Como foi derrubado: Estudos neurocientíficos sugerem que os dois hemisférios funcionam de forma coordenada e mesmo as diferenças existentes são relativas. O livro Compreendendo o Cérebro, da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), afirma: “dados recentes mostram que, quando o processo de leitura é analisado em seus componentes menores, subsistemas são ativados em ambos os hemisférios cerebrais”.
Mito 5 O “efeito Mozart” - Crianças que ouvem músicas de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) se tornam mais inteligentes.
Embasamento: Em 1993, Gordon Shaw e Frances Rauscher, pesquisadores da Universidade da Califórnia, fizeram um experimento com estudantes universitários em que um grupo escutava a Sonata para Dois Pianos em Ré Maior, de Mozart, e o outro não. Depois, os participantes dos dois grupos tinham de responder a um teste de inteligência. Os resultados dessa pesquisa demonstrou que aqueles que haviam ouvido à musica apresentaram resultados melhores no teste.
Como foi derrubado: Nenhum outro cientista foi capaz de reproduzir os resultados alcançados por Shaw e Rauscher. Claudia Lopes da Silva, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com a tese Concepção histórico-cultural do cérebro na obra de Vigotski, diz que: “Embora outros pesquisadores não tenham conseguido repetir estes resultados (o que torna as conclusões do estudo não fundamentadas), isso não impediu que a pesquisa ganhasse grande popularidade, chegando ao ponto em que os governos dos estados norte-americanos do Tennessee e da Geórgia viessem a distribuir um CD de Mozart para cada recém-nascido”.
Algumas ideias oriundas de dados neurocientíficos, porém, não passam de especulações, que acabam sendo derrubadas posteriormente. São os chamados neuromitos. Conheça cinco deles, saiba como surgiram e por que não se mostraram consistentes:
Mito 1 Há períodos críticos para cada aprendizagem. Se a pessoa não aprender durante esse período, ela não desenvolverá mais esse conhecimento
Embasamento: O conceito de períodos críticos provém de experimentos comportamentais feitos com animais. Um deles foi realizado nos anos 1960 por Torsten Wiesel e David Hubel, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Eles cobriram um dos olhos de um gato e tiraram a venda apenas três meses depois, para investigar que efeito isso teria no cérebro do animal. A área neuronal responsável pela visão foi severamente danificada e o gato ficou cego do olho que havia sido tampado. A partir de constatações como essa se concebeu a ideia de que existiriam janelas de aprendizado, ou seja, passado o período crítico para desenvolver certo conhecimento, não seria possível mais recuperá-lo.
Como foi derrubado: Pesquisas posteriores já reconhecem que essas janelas não são tão fortemente delineadas e são influenciadas por outros fatores, como o tipo de estímulo. O termo usado passou a ser “período sensível” ao estágio de desenvolvimento. Além disso, embora possam existir fases sensíveis para determinados aprendizados, a capacidade de formar sinapses, ou seja, de o cérebro fazer novas ligações entre os neurônios, se mantém durante toda a vida do sujeito. É o conceito conhecido como plasticidade cerebral. Isso indicaria que as pessoas podem aprender em qualquer momento da vida. “O aprendizado de uma segunda língua, por exemplo, é feito com perfeição nos primeiros anos de vida, enquanto uma aprendizagem posterior geralmente não pode evitar a presença de um sotaque evidente. Contudo, mesmo isso pode, em certos casos, ser corrigido, mas acarreta um grande esforço adicional”, dizem os médicos e doutores em Ciência do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ramon M. Cosenza e Leonor B. Guerra no livro Neurociência e Educação: Como o Cérebro Aprende (151 págs., Ed. Artmed, tel.: 0800 703 3444, 44 reais).
Mito 2 É preciso estimular a criança ao máximo até os 3 anos de idade, que é quando o cérebro humano está no auge da quantidade de conexões sinápticas e de neurônios
Embasamento: De fato, diversas investigações científicas comprovam que, nos primeiros dez meses de vida, o bebê tem um aumento imenso da quantidade de proliferação sináptica, que supera a de um adulto. Depois, aquelas estruturas neurais que não são usadas ou são pouco eficientes vão sendo eliminadas. Com isso passou-se a acreditar que era necessário aproveitar esse período da vida da criança para inundá-la de informação e estimulá-la ao máximo, assim ela iria atingir um grau maior de desenvolvimento cognitivo.
Como foi derrubado: Não há nenhuma comprovação científica que ateste a eficácia de submeter uma criança pequena a uma quantidade muito elevada de estímulos e a informações complexas demais para a faixa-etária dela. Além disso, a queda da quantidade de sinapses já é vista pelos neurocientistas como uma forma natural de eliminar gastos desnecessários de energia do corpo e de lapidar as funções cerebrais. No artigo Pedagogy meets neuroscience (Pedagogia encontra neurociência, em português), publicado na revista Science em 2005, a psicóloga Elsbeth Stern afirma que as crianças que são incentivadas a memorizar fatos isolados no início da vida não apresentam melhor retenção a longo prazo do que seus pares, que não foram submetidos a uma bateria de estímulos do tipo.
Mito 3 Usamos somente 10% da capacidade de nosso cérebro
Embasamento: Não se sabe exatamente quando e porque esse mito surgiu. Uma das hipóteses é que tenha sido uma má-interpretação de parte do texto The Energies of Men (As energias do homem, em português), de William James (1842-1910) - considerado um dos fundadores da psicologia nos Estados Unidos -, em que ele dizia que a maioria das pessoas põe em prática apenas uma pequena parte de seu potencial intelectual.
Como foi derrubado: Diversas técnicas empregadas pela neurociência de medição da atividade cerebral (tomografia, ressonância magnética etc) mostram que não existem áreas inativas no cérebro. O neurologista Barry L. Beyerstein afirma no artigo Do we really use only 10% of our brains? (Nós usamos realmente só 10% de nosso cérebro?, em português), na revista Scientific American, em 2004, que ninguém jamais encontrou uma porção do cérebro que nunca tivesse sido usada.
Mito 4 Pessoas que utilizam o lado esquerdo do cérebro têm facilidade para comunicação oral e são mais lógicos. Já aquelas que usam o lado direito são mais criativas e artísticas
Embasamento: Dentre as diversas investigações envolvendo esse conceito, uma pesquisa conduzida pelo neurocientista Roger Sperry, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, o psicólogo Michael S. Gazzaniga, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, desde a década de 1960, que analisou pacientes submetidos a cirurgia para separar os dois hemisférios cerebrais na tentativa de interromper um tipo de epilepsia, mostrou que realmente os dois lados do cérebro são bastante diferentes. Em grande parte das pessoas, o esquerdo cuida dos aspectos da linguagem, enquanto o direito especializa-se em uma parte significativa das habilidades visuais e espaciais.
Como foi derrubado: Estudos neurocientíficos sugerem que os dois hemisférios funcionam de forma coordenada e mesmo as diferenças existentes são relativas. O livro Compreendendo o Cérebro, da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), afirma: “dados recentes mostram que, quando o processo de leitura é analisado em seus componentes menores, subsistemas são ativados em ambos os hemisférios cerebrais”.
Mito 5 O “efeito Mozart” - Crianças que ouvem músicas de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) se tornam mais inteligentes.
Embasamento: Em 1993, Gordon Shaw e Frances Rauscher, pesquisadores da Universidade da Califórnia, fizeram um experimento com estudantes universitários em que um grupo escutava a Sonata para Dois Pianos em Ré Maior, de Mozart, e o outro não. Depois, os participantes dos dois grupos tinham de responder a um teste de inteligência. Os resultados dessa pesquisa demonstrou que aqueles que haviam ouvido à musica apresentaram resultados melhores no teste.
Como foi derrubado: Nenhum outro cientista foi capaz de reproduzir os resultados alcançados por Shaw e Rauscher. Claudia Lopes da Silva, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com a tese Concepção histórico-cultural do cérebro na obra de Vigotski, diz que: “Embora outros pesquisadores não tenham conseguido repetir estes resultados (o que torna as conclusões do estudo não fundamentadas), isso não impediu que a pesquisa ganhasse grande popularidade, chegando ao ponto em que os governos dos estados norte-americanos do Tennessee e da Geórgia viessem a distribuir um CD de Mozart para cada recém-nascido”.